Montadora transfere a responsabilidade por juros que impõe e recessão que ceva

Lucram mais com títulos que com carros

Tiraram a máscara com cínica resistência a repassar aos seus consumidores a redução do IPI

(HP 08/08/2003)

Nos últimos dias, alguns acontecimentos fabricados pretenderam tumultuar o ambiente, isto é, os trabalhos do governo Lula. Foi inútil, mas o sintomático é que a fabricação seja operada sempre com origem no mesmo setor, isto é, os especuladores. Aliás, o ministro José Dirceu, ao comentar a boataria bursátil (isto é, com origem na Bolsa) sobre o suposto pedido de demissão do ministro Palocci, e supostas divergências deste com ele, Dirceu, foi preciso: “Isso apenas mostra que os especuladores continuam agindo de má-fé contra o país e não medem as conseqüências de seus atos”. Da mesma forma, o ministro Palocci, sucintamente: “são bobagens”.

Já o presidente da subsidiária da General Motors no Brasil, de nome Walter Wieland – nascido na Argentina, belo e combativo país-irmão que não tem culpa disso – proferiu, um pouco antes da abertura de um encontro do setor automobilístico, uma série de furibundas alegações contra o nosso governo. A arrogância é típica. Não propriamente dos americanos, mas dos funcionários das transnacionais americanas querendo agradar os chefes, aqui e em qualquer lugar.

Em suma, ele quer que o governo acabe com os incentivos à fabricação de carros ditos populares (1.0 de cilindrada). Hoje, 50% das vendas dentro do país são de carros 1.0 (dados da Anfavea). Segundo Wieland, a GM está interessada em fabricar carros mais “potentes”, ou seja, mais caros, para exportação. A existência dos carros 1.0 faz com que a GM seja obrigada a montá-los, devido à intensa procura interna. Portanto, ele quer que o governo acabe com esse negócio de “carros populares”, que impede o total e absoluto monopólio. Em suma, é um empecilho essa coisa de atender povo que só tem dinheiro para comprar carros que custam apenas R$ 15 mil reais. Wieland é a favor de uma taxa única para a produção de carros, quaisquer que sejam, e que essa taxa seja a mais reduzida possível. Enquanto isso, que se reduza, mais uma vez, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as montadoras estrangeiras. Se não, ameaça ele, a GM poderá “deixar o país”.

Quanto a deixar o país, ele sabe perfeitamente que existe quem a substitua. Portanto, a GM não vai fazer nada disso.

Mas por que o sujeito está tão ansioso para deixar de vender dentro do país? Pois é evidente que sem os carros 1.0 ele venderá menos carros no Brasil, como, aliás, todas as montadoras. Apesar de ser uma prática intrínseca aos monopólios e cartéis, não é principalmente a perspectiva de vender menos a um maior preço que o motiva.

O problema é que dentro do país os lucros de certas grandes empresas estrangeiras são maiores no chamado mercado financeiro do que o seu lucro operacional (isto é, o lucro com a atividade-fim, com a atividade produtiva, vender veículos, no caso da GM). A GM e outras empresas ganham muito mais especulando com títulos do governo, com papéis públicos, auferindo juros parasitários e escorchantes às custas do Estado e do dinheiro do povo, do que vendendo os carros que monta. Aliás, elas até mesmo fundaram bancos (Banco GM, Banco Ford, etc.) para emprestar aos seus compradores, o que fazem secundariamente, enquanto se dedicam a especular na praça.

Assim, o mercado nacional, a venda de carros, tornou-se, nos últimos oito anos, cada vez mais secundário para empresas como a GM. Aliás, a julgar pelo que Wieland falou, a venda de carros aqui dentro tornou-se mesmo uma atrapalhação, pois nem com os preços extorsivos dos carros – 15 mil por um carro 1.0! – eles querem trabalhar para lucrar. A usura vadia com títulos é muito melhor.

Mas o que o governo Lula está fazendo que provocou tal reação? Os antecessores de Wieland viveram muito bem com a esbórnia financeira de Fernando Henrique. Nunca abriram a boca para criticar nada – muito menos os “carros populares”. Ficaram amealhando juros para a GM, e estava tudo bem, era uma cornucópia que, provavelmente, os menos dotados de neurônios dentre eles consideravam interminável.

Pois justamente agora que chegou a vez de Wieland, temos um governo diferente. Uma tremenda injustiça.

Acontece que, depois de conjurar a catástrofe que se avizinhava velozmente desde o ano passado, o atual governo está fazendo os juros básicos – ou seja, exatamente os juros dos títulos públicos – caírem. A queda está apenas no começo, mas é evidente qual é o objetivo: juros baixos para possibilitar desenvolvimento e emprego.

O preço dos carros é caro por causa dos juros – além da ganância monopolista que impõe sobrepreços. No entanto, é precisamente através dos juros que a GM e outras empresas ganham mais. Por isso, Wieland não defende que os juros baixem, para que os carros baixem de preço, e assim a GM venda mais unidades no país. Ele defende o contrário: que os preços dos carros aumentem – pelo fim dos carros 1.0. Contanto que a GM continue locupletando-se com os juros dos papéis públicos. Quanto à produção, destina-se ela sobretudo ao mercado externo, isto é, a países em relação aos quais o preço da força de trabalho – os salários – pagos aqui no Brasil são imensamente menores, e onde eles não podem auferir lucros por juros extorsivos.

Tanto é assim que bastou o governo reduzir a alíquota do IPI da indústria automobilística para evitar a possibilidade de desemprego, que as montadoras começaram a refugar sobre o repasse dessa redução ao preço do carro. Ou seja, o problema não são impostos a menos para aumentar as vendas. São juros a mais, juros siderais que eles querem manter siderais. Coisa ridícula, atribuíram a resistência a diminuir o preço dos carros às suas concessionárias, que são, precisamente, quem mais tem interesse em vender carros, porque não vivem da agiotagem.

Mas é exatamente esse parasitismo que está no fim, que a eleição de Lula demonstrou que é insustentável. Evidentemente, a queda dos juros não vai provocar a falência da GM, que está aqui há 77 anos e já passou, portanto, pela República Velha, por dois governos de Getúlio, por Juscelino, pela ditadura e, em todos esses governos, mesmo sem extrair lucros astronômicos em juros, continuou por aqui.

CARLOS LOPES

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